Brasil, 1983. Odysseys e Ataris inundam as prateleiras dos Mappins e Mesblas da vida. A epidemia do videogame se alastra.
Mas ela tinha dado sinais alguns anos antes. O Atari, por exemplo, tinha chegado aos EUA em 1977. E logo começou a chamar a atenção por aqui. Mas arranjar qualquer coisa eletrônica de fora do País era algo complicado. Nossa informática vivia sob a lei da reserva de mercado, política que proibia a entrada no país de componentes estrangeiros, com a intenção de proteger a indústria local.
Para ter um Atari antes de 1983, então, só arranjando alguém que pudesse comprar lá fora – o que não era fácil numa época em que um voo de ida e volta para Miami ou Nova York, na classe econômica, não saía por menos de R$ 15 mil, em valores de hoje.
O fato é que a demanda pelo Atari estava aqui. Latejante. Uma companhia de eletrônicos, então, decidiu surfar na onda com uma artimanha comum na época: a pirateagem. Essa empresa, chamada Sayfi, lançou um clone nacional do Atari em maio de 1983, o Dactari. No mesmo mês, um peso pesado da indústria eletrônica finalmente investia nesse mercado por aqui. Era a Philips. E o console escolhido pela gigante holandesa não foi o Atari, e sim o Odyssey.
O charme dele era seu teclado alfanumérico ultrafino, em forma de membrana, com 49 teclas. Ele não servia para muito mais do que brincar com jogos de matemática ou escrever o nome dos jogadores na tela. Mas que dava inveja em quem não tinha, dava.
Empresa grande, publicidade enorme. Uma das jogadas de marketing era colocar dezenas de consoles em shoppings pro pessoal brincar à vontade. “Ficava aquela fila de crianças esperando pra jogar, ainda que fosse só um pouquinho. Eu esperava só para ver como é que era a tal novidade”, lembra o criador de jogos de tabuleiro Maurício Gibrin.
No começo de agosto, a concorrência esquentaria com a chegada de outro clone do Atari, o Dynavision, da Dynacom. E ferveria no final do mesmo mês com o lançamento mais esperado do ano: o Atari “de verdade”.
A Polyvox, subsidiária da Gradiente, especializada em aparelhos de som, fechou um contrato para fabricar no Brasil o mesmo Atari 2600 Video Computer System que era vendido lá fora. E aí a coisa explodiu. Com uma campanha publicitária avassaladora, o Atari deixou de ser algo só para fanáticos e virou um produto de massa.
Boa parte disso graças a um histórico comercial de TV. Cheio de suspense, num clima todo sombrio, ele dizia: “Um inimigo está chegando. E vai invadir sua casa”. Medo!
“O desafio foi estabelecer qual era a diferença entre o videogame e os brinquedos tradicionais”, diz o publicitário Gabriel Zellmeister, um dos criadores dessa campanha. “Aí transformamos o Atari no maior ‘inimigo’ das crianças. O sucesso da campanha foi estrondoso. Ouvíamos dos diretores da Polyvox que eles tiveram de aumentar drasticamente a linha de produção para dar conta de atender à demanda”, afirma.
Com o bichinho em casa devidamente ligado à TV, começava a fase 2: a busca por mais e mais cartuchos. “Quando comprei o meu, ele veio com um jogo, o Asteroids. Bom, monopolizei a TV por uma semana, a ponto de a minha mãe ficar com medo que eu queimasse a televisão!”, diz o webmaster Cloude Mario da Silva. “Debulhei o Asteroids. Só que aí eu queria mais. E comecei a comprar um jogo por semana. Keystone Kapers, H.E.R.O., Robotank… Eu não parava.”
A fome por jogos se juntou com a vontade de comer da indústria. Como o Atari tinha sido lançado cinco anos antes nos Estados Unidos, já existiam centenas de cartuchos lá fora – contra poucas dezenas aqui. Então empresas nacionais como Canal 3, Digitel, Zirok, Shockvision, Digimax, Imagic, Genus e mais umas vinte começaram a copiar jogos gringos e lançá-los no Brasil – um expediente também conhecido como pirataria, meu caro. A diferença é que a legislação da época liberava esse tipo de coisa para “incentivar” a indústria de eletrônicos verde e amarela. Nada se cria, tudo se copia. “Essa liberação criou um fenômeno único no Brasil. Graças à pirataria oficial, a oferta de jogos era variada e barata. Isso foi fundamental para a expansão desse console por aqui”, diz Gabriel Morato, do canal Game TV.
Também houve outro fenômeno exclusivamente brasileiro: alguns fabricantes começaram a cobrar mais pelos jogos complexos, que usavam cartuchos com 8 quilobytes de memória. Esses games ganharam o apelido de “série ouro”. Os mais simples, de 4k e 2k, formavam a “série prata”. E isso incrementou o mercado paralelo da troca de cartuchos entre amigos. Cloude explica: “Era tudo regulamentado: um série ouro valia dois série prata”. E ai de quem discordasse!
Daí pra frente, outras empresas grandes entraram no jogo e passaram a fazer seus consoles compatíveis com cartuchos de Atari. A CCE saiu com o Supergame, que trazia jogos legais nunca antes lançados por aqui, como Mr. Postman e Bobby Is Going Home. A Dismac apresentou seu VJ 9000. E resolveu traduzir alguns títulos de cartucho. Nisso, Pitfall virou Pantanal e Freeway, BR-101. Pitoresco, não?
Bom, o fato é que, com Pitfall ou Pantanal, Polyvox ou CCE, toda uma geração começava a criar bolhas nos dedos de tanto operar joystick. Tudo aconteceu no Brasil em pouco mais de um ano. Mas a história toda tinha começado muito antes. Muito mesmo. Olha só.
Bem antes disso tudo, na Universidade de Cambridge, Inglaterra em 1952, oestudante de engenharia A.S. Douglas preparava um doutorado sobre a interação entre humanos e computadores. E o resultado é o primeiro videogame da história: um jogo-da-velha que podia ser disputado contra a máquina. O “console” é um computador que, além de ocupar uma sala inteira, usa tubos de mercúrio como memória e câmaras de vácuo como processadores. Bizarro. Mas já é um bom adversário.
Já nos Estados Unidos, no Brookhaven National Laboratories em 1958, o físico nuclear Willy Higinbotham criou uma brincadeira diferente: um jogo de ping-pong virtual. A tela é o visor de um osciloscópio, com 12 centímetros de diâmetro. Tosco? Não: o game era excepcional para as condições da época. Dava para jogar a dois e os movimentos da bolinha eram realistas.
Agora vamos para o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Estados Unidos. O ano é 1961. Steve Russel, um estudante de engenharia, cria o jogo Space Wars (duas naves que atiram uma na outra).
Esses três casos significam uma coisa só: bastava ter um computador por perto para que alguém resolvesse criar algum joguinho. O videogame já tinha nascido. Só faltava dar um jeito de as pessoas o levarem para casa, já que computadores do tamanho de armários não eram “consoles” muito práticos. Aí que entra um homem-chave nessa história toda: o engenheiro elétrico Ralph Baer.
Ele trabalhava com o desenvolvimento de televisores e era apaixonado pela idéia dos jogos eletrônicos. Aí, no meio dos anos 60, ele decidiu juntar as duas coisas. Criou uma versão melhorada daquele jogo de pingue-pongue de 1958 e, mais importante, colocou-o dentro de uma caixinha portátil que podia ser acoplada à TV. Era o primeiro console pra valer da história. Em 1968 ele mostrou um protótipo dessa invenção para várias empresas americanas. Uma tal de Magnavox comprou a idéia. E quatro anos depois a caixa de Baer estreava com o nome de Odyssey (não, não era aquele que você conhece, mas uma versão bem mais jurássica).
Ele vinha com 12 cartuchos. Bom, não eram bem cartuchos, já que eles não traziam programas gravados. Tratava-se de meras plaquinhas de circuito, que mudavam o sinal que ia para a televisão. Sinais diferentes davam em joguinhos diferentes. Não que mudasse grande coisa entre um e outro. Quase todos afinal consistiam de barrinhas rebatendo bolinhas, não interessava se o jogo era de pingue-pongue ou de hóquei.
Para driblar essas precariedades, a Magnavox arrumou uma solução artesanal: cartões coloridos de plástico translúcido para servir de cenário. Era colar na frente da TV e forçar a imaginação! Mesmo com esse jeito mambembe o primeiro videogame caseiro foi bem. Turbinadas por um comercial que tinha Frank Sinatra como estrela, as vendas de Odyssey bateram em 100 mil unidades até o Natal de 1972.
Mas o grande papel desse primeiro console foi outro: inspirar um certo Nolan Bushnell. Esse engenheiro elétrico de 29 anos tinha ajudado a criar o primeiro fliperama eletrônico (ou arcade) da história, o joguinho de naves Computer Space. Crente no sucesso, a companhia para a qual ele trabalhava fabricou 1 500 unidades. Mas a invenção se mostrou à frente de seu tempo, e a produção acabou encalhada.
Mas o que não faltava ao rapaz era tino para os negócios. Nolan percebeu que aquele pingue-pongue do Odyssey podia render um novo arcade, talvez mais palatável que seu Computer Space. Para desenvolver essa máquina, Nolan decidiu fundar sua própria firma de jogos eletrônicos. O nome dessa empresa, aliás, ele pegou de uma palavra usada no Go, aquele jogo japonês de tabuleiro. Era uma palavra usada para indicar que o adversário está sem saída – que nem no “xeque” do xadrez: Atari.
Bushnell lançou seu novo arcade logo em 1972. Era um jogo idêntico ao ping-pong do Odyssey, mas com um nome mais sonoro: Pong. Desta vez os freqüentadores dos fliperamas se renderam. O jogo em que duas barras rebatem uma bolinha virou mania. E Nolan vendeu 10 mil máquinas em menos de um ano. Isso encorajou o rapaz a lançar dois anos depois uma versão caseira do arcade, o Home Pong. Transformado em console, o jogo vendeu 150 mil unidades.
Com o estouro do Pong, Nolan ganhou a atenção dos grandes investidores. E em 1976 a Warner lhe deu US$ 28 milhões pelo controle da Atari. Ele comprou uma mansão e, de quebra, ficou com o cargo de presidente do conselho da empresa. A obsessão da Warner era criar um produto dez vezes melhor que o Pong ou o Odyssey, quer dizer: algo capaz de vender dez vezes mais que os dois. Depois de um ano de trabalho e US$ 100 milhões em investimentos esse “algo” saía do forno. Era o nosso Atari VCS (Video Computer System), primeiro console caseiro com poder de processamento comparável ao de um computador, com jogos ágeis, gráficos coloridos e imagens com um grau pelo menos aceitável de realismo.
Foi uma pancada no Odyssey. Mas a Magnavox reagiu rapidinho: um ano depois do nascimento do concorrente, lançou a segunda versão do seu console: o Odyssey 2 – esse é o que chegou ao Brasil em 1983, com o “2” devidamente expurgado, já que o “1” nunca fora vendido por aqui.
No seu primeiro ano, o Atari vendeu 250 mil unidades. Nada mal. Mas o boom mesmo só viria no ano seguinte. Foi quando a Atari adaptou um jogo que tinha sido febre nos fliperamas: o Space Invaders. Graças aos alienígenas do joguinho, as vendas saltaram para 2 milhões de unidades. E o faturamento com o Atari chegou a US$ 415 milhões. Só as receitas do console naquele ano foram responsáveis por um terço do lucro do grupo Warner. E a Atari abocanhava o título de empresa que mais tinha crescido em menos tempo na história dos Estados Unidos!
Tudo ia bem para a empresa. Mas os grandes responsáveis pela grana, que eram os programadores dos jogos, não levavam quase nada. Para sentir o drama, saiba que Rick Mauer, o criador de Space Invaders, ganhou só US$ 11 mil com seu blockbuster, enquanto a companhia lucrou centenas de milhões às custas dele. O resultado de palhaçadas que nem essa não podia ser outro: boa parte dos melhores programadores da Atari abandonaram o barco e resolveram montar suas próprias empresas de criação de jogos.
E quem ganhou com essa história, no fim das contas, fomos nós. Sim! Um desses grupos de programadores fundou uma certa companhia chamada Activision. Loucos para superar a Atari, criaram obras-primas como Pitfall, River Raid e Enduro e passaram a vender os cartuchos por conta própria.
A Atari tentou impedir na Justiça que outras empresas fizessem cartuchos compatíveis com seu console. Não conseguiu. Mas foi bom pra ela no fim das contas. Muito bom: com os superjogos da Activision no mercado, as vendas do Atari foram dobrando a cada ano: 4 milhões em 1981; 8 milhões em 1982. Uma beleza.
E a vida não ia bem só para o nosso herói. Afinal, ele já tinha ganho um concorrente à altura: o Intellivision, da Mattel.
Era o primeiro videogame com qualidade equivalente à do console de Bushnell. Em jogos complexos, os gráficos eram nitidamente superiores, já que o novo console tinha um processador mais veloz. Lançado em 1980 com um preço 30% mais alto que o do Atari, ele venderia 2 milhões de cópias até 1982. E nesse mesmo ano o Atari ainda levaria outra bomba. Mais um videogame top entrava na briga: o Colecovision. Com uma capacidade de processamento melhor que a do Atari e a do Intellivision ele venderia 500 mil unidades até o Natal. Só naquele ano, a indústria do videogame registraria um faturamento recorde de US$ 5 bilhões. Isso gerou uma onda de investimentos sem precedentes. A Atari, ameaçada pela concorrência, jogou pesado no marketing: comprou os direitos de imagem de E.T. – O Extraterrestre, para fazer um jogo baseado no filme. Crente de que a coisa venderia que nem cerveja no Carnaval, fabricou 5 milhões de cartuchos. Era o começo do fim.
Com o excesso de empresas fazendo jogos para Atari, os mais fracos foram saindo do negócio. Para salvar o que desse, essas empresas passaram a vender os jogos a preço de pinga. Enquanto o preço típico de um cartucho em 1982 era de US$ 35, no ano seguinte tinha caído para US$ 5. A essa altura não tinha mais cristão que aceitasse pagar caro num joguinho. E a Atari não teve escolha. Valia mais a pena jogar os 5 milhões de cartuchos de E.T. no lixo do que gastar dinheiro para distribuí-los. E foi isso mesmo que ela fez: enterrou os E.T.s num aterro sanitário do Novo México.
Os preços baixos dos cartuchos impedia o lançamento de novos títulos. Os games começaram a parecer maçantes. Chegaram os jogos para computador, que tinham muito mais recursos. E o interesse peles videogames gorou. Em 1983, a Atari registraria perdas de US$ 536 milhões. Depois de ver suas ações caírem de US$ 60 para US$ 20, a Warner vendeu a marca Atari ao investidor americano Jack Tramiel. E em 1984 ele parou de fazer videogames para fabricar PCs de baixo custo. No mesmo ano, Mattel, Magnavox e Coleco abandonaram o negócio dos consoles. Um crash total.
Era o fim de toda uma indústria nos Estados Unidos. Enquanto isso, uma novidade sem precedentes chegava ao Brasil: o videogame. Enquanto o Atari definhava nos EUA, o Japão já vivia no futuro. A Nintendo lançou o revolucionário Famicom (Family Computer) no Japão ainda em 1983. Ou seja, enquanto o Atari mal tinha chegado ao Brasil, os japoneses já brincavam com um console da geração seguinte.
Depois de vender 2,5 milhões de unidades no Oriente, o Famicom aportou nos EUA e foi batizado de NES – Nintendo Entertainment System. E em 1987 virava sinônimo de console. O “Nintendinho” só chegou ao Brasil em 1989, e junto com seu maior concorrente, o Master System, da também nipônica Sega. Nos anos 90 a luta foi para a arena dos 16 bits, videogames com o dobro da capacidade de processamento dos antecessores. A Sega veio com seu Mega Drive, que chegou por aqui em 1990. Mas isso é assunto para outro post.